“Papaiiii”. A ênfase na vogal “i” chamou a atenção do professor de Educação Física Eduardo Favaro, de Brasília, que ouviu pela primeira vez, aos 35 anos, a voz de suas filhas, Maria Eduarda, de 6 anos, e Maria Fernanda, de 3 anos.
Eduardo tinha surdez profunda bilateral desde 1 ano e oito meses, por conta de uma meningite.
Foram mais de 30 anos buscando informações para a realização de um implante coclear, procedimento que só aconteceu neste ano, feito pelo médico Fayez Bahmad, no Instituto Brasiliense de Otorrino.
A ativação do aparelho – ou seja, o primeiro momento em que Eduardo voltou a ouvir – foi registrada em um vídeo muito emocionante (que você vê mais abaixo).
O educador físico, sua mãe, dona Aleny, sua mulher Fabrícia, as filhas e os familiares que foram acompanhar o primeiro teste caíram no choro ao verem Eduardo escutar novamente a vida que acontece ao seu redor.
Eduardo escuta pela primeira vez
Eduardo passou a ter audição de um dos ouvidos graças à realização do implante coclear após 30 anos procurando tratamentos para ouvir novamente.
O procedimento insere pequenos dispositivos eletrônicos por meio de cirurgia, que processam sons e os entregam diretamente no cérebro.
Retomar a audição sempre foi um sonho pelo educador físico, que se desenvolveu como um surdo oralizado, isto é, que usa a linguagem oral (e no caso dele, escrita) para se comunicar.
Capaz de falar, escrever e fazer leitura labial, Eduardo se sentia esperançoso em relação a voltar a ouvir.
“Quando fui crescendo, foi surgindo a vontade de ouvir. Como na minha família não havia nenhum surdo, eu queria ouvir como eles”, conta. “Agora, tudo é muito novo para mim. Não tenho palavras pra descrever minha emoção e a sensação do som chegando ao meu cérebro, fazendo-o vibrar!”.
Momento emocionante da ativação do implante
O implante, por si só, já foi uma grande e positiva mudança na vida de Eduardo. O momento do primeiro teste, em que ouve as vozes de suas filhas, da mãe da mulher, foi ainda mais especial.
“A voz do minha mãe veio de Deus para abrir meu cérebro, a voz da minha mulher foi puro Aamor e a voz das minhas filhas, me chamando de papai, foi como se chamassem com um ‘papaiiiiii’. Senti forte este ‘iiii’. Como se tivessem me falando: ‘acorda, papai’. Muita emoção!”, contou ao VIX.
No vídeo, Eduardo comenta que também começou a ouvir as batidas de seu coração.
Ouvir a mãe pela primeira vez
Fabrícia explica que o momento lindo em que Eduardo ouve sua mãe, dona Aleny, foi totalmente espontâneo.
“A fonoaudióloga perguntou quem iria falar com ele pela primeira vez. Então, ela explicou que ele estaria ouvindo como se fosse um bebê e, geralmente, quem fala com o filho pela primeira vez é a mãe”, relata Fabrícia, esposa de Eduardo.
“Ouvir era um sonho do Eduardo e, quem é mãe sabe, um sonho ainda maior para minha sogra. Ela emocionou todo mundo”.
Na sala, estavam a fonoaudióloga, os três irmãos do Eduardo, a mãe, as filhas, a mulher e uma sobrinha. Parte da família foi de Cascavel, no Paraná, à Brasília só para acompanhar o teste.
Implante coclear: os desafios da cirurgia
O procedimento não havia sido feito antes porque os especialistas tinham receio em relação a um diagnóstico anterior em Eduardo de ossificação na cóclea, o tubo espiralado em que ficam os órgãos sensórios da audição.
Mas o otorrinolaringologista Fayez Bahmad viu que era possível. “O implante coclear é indicado em dois casos: reabilitação dos pacientes de surdez neurossensorial profunda em ambas as orelhas e em bebês que nascem com surdez profunda bilateralmente”, explica em entrevista ao VIX.
“No caso de Eduardo, a operação só foi possível porque, desde a infância, ele teve o estímulo dos nervos auditivos através do uso de aparelho auditivo e fonoterapia desde que a família soube da surdez profunda causada pela meningite”, conta.
Se o educador físico não tivesse se desenvolvido com essas condições, a cirurgia também poderia acontecer, mas traria benefícios muito reduzidos ao paciente.
"Daí vem a importância de um diagnóstico precoce na infância", explica o médico. “Isso porque ele não teria desenvolvido um código linguístico, não teria aprendido a falar e a escrever. O cérebro humano tem áreas ligadas à linguagem que precisam ser estimuladas com o aparelho e com a fonoterapia. Se não houver isso, o implante não desenvolve a audição”.
Próximos passos
Agora, Eduardo deve seguir com sessões de fonoterapia por, no mínimo, dois anos, para aumentar a capacidade de audição, que ainda não é completa. A melhora acontece aos poucos.
Também terá acompanhamento bimestral para configurações internas e mapeamento do aparelho.
“Mais pra frente, quero tentar, sim, fazer o outro lado. E, que através do meu exemplo, da minha busca há mais de 30 anos, eu possa beneficiar o maior número de pessoas que tenham a mesma vontade de ouvir como eu tinha. Hoje, meu sonho foi realizado e estou sentindo felicidade em poder ouvir”.
Como conseguir o implante coclear?
A Agência Nacional de Saúde (ANS) determina que os planos de saúde ofereçam cobertura para o implante coclear, incluindo a manutenção. O de Eduardo foi feito por plano de saúde.
A cirurgia também é oferecida gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
De acordo com informações do Ministério da Saúde, pessoas com surdez de grau severo ou profundo, em ambos os ouvidos, que não se beneficiam com o uso de aparelhos auditivos convencionais, são possíveis candidatos ao implante coclear de graça.
Estimativas indicam que a cirurgia e o aparelho do implante coclear podem custar até R$ 100 mil.
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